terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sidarta - Hermann Hesse

Sidarta é um homem que entende que a vida não é uma linha recta e isso o leva a ser um Buda, o buda máximo do budismo…e este livro poderia quase ser definido assim. Desde a infância ele manifesta grande curiosidade por a arte de apreciar a vida com calma. Para os mais desatentos Sidarta pode até ser um homem sem coerência, o chamado troca-tintas. A questão é que ele simplesmente se recusa a viver uma vida que não faça sentido. Nunca se mostra preso a uma ideia de que encontrou o caminho certo, experimenta vários e sempre que um já não resulta com ele, muda. Torna-se seguidor de uma doutrina, depois experimenta outra de que ouviu falar bem, depois percebe que não pode seguir doutrinas, que é ele que têm de fazer a sua, depois arranja mulher, torna-se rico, aprende a estar numa sociedade “normal”, quando isso se torna demasiado vazio, abandona tudo, apercebe-se da sua arrogância de se julgar superior e vai aprender humildemente o que o rio têm para lhe ensinar. Sidarta nunca se recusa a seguir o seu coração, ou a deixar que o mundo não seja para ele uma constante avalanche de novidades. É ele uma eterna criança que vê tudo maravilhado de novo, como se nada soubesse nunca.
Aprendeu a escutar, aprendeu que a verdade das coisas está em cada um de nós no momento da vida que vivemos, nesse exacto momento, e por isso é que podemos mudar, cada momento é uma pessoa nova que nos invade. "O oposto de cada verdade é igualmente verdade.". Esse estado de viver os momentos traz a Sidarta a certeza de que o tempo não existe, nem futuro nem passado, tudo isso é apenas uma parte da pessoa desde sempre e a qualquer momento desabrochará em nós a paz que nos permite ver como ele que tudo deve ser como é. Somos donos do nosso destino, sim, mas não podemos ansiar tanto um futuro que nos impeça de viver o presente e passar uma vida mentirosa em que o amanhã não chega, nem a calma do sofrimento alegre que o amor ao mundo nos dá.

O mundo é belo hoje, como a nossa vida e por isso não temos de esperar o amanhã para ver maravilhas, não é necessário de viajar, aliás, não vale a pena viajar para sítios bonitos se nunca vimos aqui, no nosso dia-a-dia, a beleza de tudo, se nunca fomos capazes de amar o momento exactamente como ele é. Tal como as pessoas, também as coisas devem ser amadas do jeito que elas são, sem julgamento.

“A morte, para mim, é igual à vida; o pecado, igual à santidade; a inteligência, igual à tolice. Tudo deve ser como é. Unicamente o meu consenso, a minha vontade, a minha compreensão carinhosa são necessários para que todas as coisas sejam boas, a ponto de somente me trazerem vantagens, sem nunca me prejudicarem.”

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Frei Luís de Sousa - Almeida Garret

Maria é uma miúda curiosa que influenciada por Telmo lê muito e se mantêm atenta ao que se passa à sua volta, ela usa a sua intuição, deixando que os seus sextos sentidos, que vulgarmente não usamos, sejam um guia. Maria é uma personagem que confia plenamente no seu coração, os seus pressentimentos são certos e ela sabe que o serão, por se ouvir a si mesma. Madalena quer desvia-la destes “poderes” que a fazem ser uma criança que sabe demais, isto porque as crianças não foram feitas, segundo alguns, para se preocuparem e para saberem coisas que trazem sofrimento. Contam-se mentiras e inventam-se histórias, tentam criar-se distracções para que a verdade, que é mais cruel que a fantasia não chegue aos olhos dos mais pequenos. Só que Maria não gosta de ser enganada, ela é fascinante porque ama a verdade e quer que ela seja dita, para que o mundo avance. Cheia de sonhos, a miúda acredita que é possível mudar o mundo e acredita que para isso é preciso saber enfrentar as coisas como elas são. Só quando sabemos como é a realidade a poderemos modificar, caso contrário apenas mudamos algo que não existe e portanto a realidade continua a ser um poço de sofrimento. Mas isto não fica por aqui. João de Portugal é o D.Sebastião da peça e após anos de exílio volta e dá aquela família uma estabilidade que ela nunca teve porque sempre existia o medo deste regresso, pois é ele mesmo que vêm por fim a uma vida de sofrimento psicológico, uma vida a viver com um possível futuro aterrador. Ele arrepende-se por pensar ter vindo estragar uma felicidade, mas na verdade ela não existia por completo devido à sombra da possibilidade desse mesmo regresso. João de Portugal dá provas do seu grande amor renunciando à vingança da sua dor em prol da continuação de uma vida sem terrores para a família, mas o destino quer que a verdade seja a lei que manda e antes que ele interrompa os cataclismos, já eles aconteceram. A verdade é algo constante em Frei Luís de Sousa, como de resto o é em quase todos os livros, mas posta de maneira diferentes. Aqui tanto Maria, como Telmo, como Manuel de Sousa são defensores convictos de uma vida honrada e sempre defendem acima de tudo um caminho puro na sua vida, isto é, serem fies a si mesmos. Madalena, também é demasiado fiel para poder mentir, mas tenta ocultar a si mesma os factos, como vive atemorizada pela sua possibilidade de pecado e desgraça que isso seria para a filha, tenta fugir do que à sua volta acontece e quando não pode fugir, esconde-se dentro de si observando a sua tristeza sem olhar de frente e se afirmar perante a vida, decidida a mudar-se. Finalmente todos mudam de vida e Maria indigna-se com o facto de ela deixar de ser digna só porque houve enganos na vida daquelas pessoas, ela quer fazer ver mais uma vez a verdade, dizer-lhes que eles não foram infiéis consigo mesmos e isso é o mais importante.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Morte dum Caixeiro-Viajante - Arthur Miller

Willy não suporta o falhanço que teve na vida, os seus sonhos foram destruídos pela sua focalização errada nos caminhos para o sucesso. Contou que conhecer muitas pessoas e sobretudo estar perto das mais importantes, o faria subir na vida e queria ser o primeiro nela. Quem nasce em berço de ouro não precisa à partida de certas coisas que precisam os outros. Acontece que como Willy não nasceu em berço de ouro, teria de saber fazer bem o seu trabalho para que ele resultasse e não achar que porque sabe o nome e deu um aperto de mão a um ou dois senhores importantes já eles são seus amigos. Eles não sabem sequer o nome dele e Willy no fundo sabe de todo o seu falhanço ou não teria pensado em suicídio, mas quer iludir-se e conta a todos histórias em que ele acredita, porque as contou tantas vezes que se tornaram verdadeiras. Temos em contra partida o seu irmão Ben, que decidiu partir para a floresta sozinho, sem contar com apoios de ninguém e se tornou, pelo seu carácter persistente e capacidade de arriscar, um homem rico, à custa dos diamantes da selva. Willy não quer ver a realidade e isso impede-o de a mudar, quando as coisas não acontecem ele arranja uma desculpa lógica e fora de si mesmo para essa falha. A culpa nunca é de Willy verdadeiramente, mas sim de um qualquer motivo externo, um bom exemplo disso é o de pôr a culpa no professor de matemática para o facto de o seu filho não ter chegado à universidade, filho este que não estudou e julgava poder acabar o ano porque era um bom desportista e tinha o seu vizinho Bernard para poder copiar. Aqui mostra-se que o sermos bons em uma coisa jamais faz com que automaticamente esta permita não trabalhar para outra necessária, ou se luta pelo que se quer ou não se têm. Depois temos a mulher de Willy, Linda, que sabe da falsidade das fantasias do seu marido, mas ilude-se com a ideia de que ele assim é mais feliz e não o confronta, deixando que ele viva a irrealidade e ela seja apoiada por ela mesma, o que faz a realidade dele ser mais real. Um actor sempre precisa de público para acreditar que a sua representação não é mera loucura e aqui Linda é esse público que a imaginação de Willy necessita. No fim, é Biff, o filho que se quis iludir juntamente com o pai, que traz a verdade à vida da família: “Não passo de um falhado, pai! Não passo de um falhado! Quando acabará por compreender isto? Não se trata de rancor nem nada. É a verdade, senhor!”. Biff sobreviverá ao embate porque quis encarar a verdade e lutará pela vida nova, alcançou a liberdade de se saber dono de si. Willy suicida-se porque todo o mundo desabou rápido demais e o seu espírito comodista perdeu a capacidade de iniciar uma vida nova.

A morte de Ivan Ilitch - Lev Tolstoi

A morte de Ivan Ilitch traz-nos uma questão que se relaciona com a verdade. O maior sofrimento de Ivan não se prende com a indiferença de uns e outros perante a sua dor, mas pela falta de coragem para admitir à frente dele que ele está a morrer. É isso que o estrangula. Sentimentos de pena por ele ir morrer em breve e estar a sofrer não o repugnam, mas a falsidade que transparece da tentativa frustrada dos familiares em ocultar-lhe a verdade de que está a morrer, sim, isso causa-lhe um grande transtorno, tudo porque o querem poupar. É como quando se oculta a uma criança o facto de que a guerra existe, só para que ela não se choque. Ela já percebeu que existe, ela já viu imagens, é inútil dizer que isso é uma fantasia, como é inútil dizer a Ivan que ele apenas tem uma doença. Ela irá morrer, todos sabem.
Outra grande questão de Ivan, relaciona-se com o sentido da sua existência. Só às portas da morte, ele se dá conta de que a sua vida não fez sentido nenhum, porque no fundo, ele nunca viveu a vida que ele queria, mas sim a vida que alguém disse que era a correcta. A vida padronizada da sociedade, relacionada com o ter sucesso na profissão, na família e no dinheiro, sem pensar que o sucesso visto desse ângulo, passa a ser um mecanismo de criar imagens para fora, para os vizinhos e não só, para os filhos, para a mulher e para ele mesmo. Também os filhos e a mulher acabam por criar para ele a imagem de que está tudo sob controle. No fim do seu tempo, ele entende que falhou em primeiro a área da saúde, mas sem culpa, a partir disto, vai verificando as suas falhas sucessivas, no começo sem querer acreditar no que pensa, porque se apoia no "todos fazem assim". Depois percebe que todos podem estar errados, ou a grande maioria, que às vezes a minoria não faz com que uma coisa seja falsa. Ela pode até ser a verdadeira, que alguém com as condições certas conseguiu perceber. Também Galileu era o único a dizer que a terra é que gira à volta do sol.
No final, Ivan tem o descanso de saber que de facto nada na sua vida fez sentido, pede perdão à família por os fazer sofrer. Têm por fim o descanso de ter a certeza de que algo é verdadeiro, a percepção da sua vida vazia, morre, por isso, já sem medo da morte e, já que acabou por estar "morto" a vida inteira, acaba por dizer que se acabou a morte, como se daquele fim fosse possível renascer uma outra pessoa melhor e desta vez a viver correctamente.

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