terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Orlando: Uma Biografia - Virgínia Woolf

Orlando é o tempo a mudar e obrigar a mudanças. Ao longo de cerca de quatro séculos, Orlando foi rico e cigana, social e anti-social, apaixonado e desiludido, homem e mulher. O tempo passa, mas algo fica: a escrita, as memórias, os valores. Orlando descobre muitas coisas novas que esquece e volta a descobrir, aprende sobre si e sobre os outros, sobre o mundo. No entanto, ao longo de todo o tempo, sendo homem ou mulher, Orlando está, na sua essência, sozinho, mesmo casando, mesmo sendo muito convidado para festas, a sua solidão mantém-se, a sua vontade de escrever também, o seu magnetismo pessoal e a sua capacidade de auto-observação igualmente. De facto, Orlando é sempre muito apreciado/a na sua inteligência e coerência consigo mesmo.


Homens e mulheres, como confirma este personagem, têm muitas diferenças na forma sobretudo do “como se devem comportar”, mas a parte mais importante da personalidade não se fica nesse aspeto, que é capaz de mudar a opinião que outros têm de nós, mas não tanto a nossa própria perceção de nós mesmos. Esta é uma questão importante no livro, mas muitas outras se mostram, sendo que mudar de sexo é algo mais incomum que uma cidade inteira gelar, ou viver por quatro séculos (ironia).


É curioso o momento em que passamos a falar na época presente (de Vírgínia Wolf). Orlando não consegue lidar bem com o presente, com o seu presente, o que nos indica que misteriosamente, até ali, Orlando viveu provavelmente no seu passado, ou talvez no seu futuro. É uma ideia desconcertante e difícil de entender, como muitas outras que nos correm pelas mãos durante os quatro séculos de Orlando.


Virgínia Woolf escreve na qualidade de biógrafa, o que nos aproxima de uma realidade factual. Isto torna-se interessante, pois, de alguma maneira, ela faz-nos acreditar um pouquinho nas aventuras desta personagem, faz-nos acreditar na sua imaginação como sendo algo perfeitamente susceptível de acontecer. Por outro lado, esse lado biográfico aproxima-nos da história Britânica, que aparece também nas mudanças de Orlando. Ao longo do livro, existe discurso direto com o leitor, lamentos da biógrafa, entradas na mente de Orlando, etc. - variações da escrita que criam interesse. Trata-se de um frenesim viciante, escrito por uma mulher solitária e soturna no início do século XX.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Terna é noite - F.Scott Fitzgerald

[Re-sublinho que os livros são apenas os pontos de partida para a minha divagação. Não procurem no livro o que vos conto dele, procurem-se.]


Existem pessoas que têm dentro delas uma tal verdade que ninguém lhes consegue passar pela vida, sem se lembrarem delas para sempre. Dick é esse herói em “Terna é a noite”. Um homem quase perfeito, que têm uma mulher quase perfeita… mas a sua vida não é, mesmo que pareça, perfeita. Esse homem adorado por todos, um dia passa o limiar dos seus próprios valores e tudo o que antes ele podia controlar, perde a orientação. Quando um homem passa por cima dos seus próprios valores, pouca coisa continua a importar. O que somos nós sem podermos confiar no que somos? Lançamento num abismo onde são sucessivas as asneiras, as desculpas, a culpas nos outros, a cegueira voluntária.

Existe uma espécie de corda suspensa onde as pessoas que se querem conhecer, caminham, o desequilíbrio está eminente, a qualquer momento o pé falha e vê-se então um lado negro, negro demais, para que as forças que nos trazem à superfície consigam esquecê-lo rapidamente. Alguns equilibram-se no momento exactamente antes do suicídio…outros acabam por cair e muitos anos passam até regressarem, se regressarem.

Mas, quando uma multidão nos continua olhar, erroneamente ou não, como antigo ou actual exemplo a seguir, aos poucos e poucos podemos convencer-nos de que é possível voltar a caminhar lá no alto. A confiança recupera-se, com ajuda. O orgulho destrói os caminhos. Se há alguém, que respeitamos e acredita incansavelmente em nós, é porque existem motivos para tal. Erra-se, mas a essência fica e um dia, com vontade e fugindo ao orgulho de querer fazer tudo sozinho, em silêncio, voltar-se-á a ser e por ser, fascina.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O carteiro de Pablo Neruda - Antonio Skármeta

[Aconselho o livro, especialmente a quem está pouco habituado a ler, porque lê-se rápido e a sua ligeireza e humor não deixam que fique muito tempo na cabeceira. Pode não ser uma obra de arte, mas é, sem dúvida, agradável. Aproveito ainda para deixar uma listinha que a carolina se deu ao trabalho de fazer… e assim lhe fazer promoção.
A história não é verídica, já para que ninguém ache que aqui pode ler uma biografia de Pablo Neruda. Leiam-lhe antes os poemas. ]


O carteiro de Plabo Neruda é um rapazinho que podia ser pescador se alguma vez tivesse entendido a magnitude do mar, mas ele só viu magnitude da sua morada no dia em Pablo lha mostrou. Primeiro foi a curiosidade de conhecer alguém “famoso”, depois, aos poucos e poucos, as vidas dos dois se tornam cúmplices. Neruda faz de conta que os seus favores ao jovem carteiro são um suplício, mas dentro disso, sabemos nós que ele não encontra em todo o lado o descaramento tão natural e desprovido de segundas intenções de Mário. Este rapazinho não acha que é um abuso pedir ao poeta que o ajude a ficar com a sua paixão, Beatriz, possuidora de uma mãe brava e sabida…este rapazinho, acha natural que, já que o culpado de haver paixão entre os dois foram os poemas de Pablo, o próprio Pablo que resolva agora o problema da mãe dela que não os quer juntos. E é esta inocência que Pablo leva por esse mundo fora até à França, ao Prémio Nobel, à guerra e à morte.

Mostram-se duas vidas que se cruzam, de homens honrados, com sucesso na vida, mas diferentes sucessos. Neruda chegou perto de muito mais gente, mas Mário foi feliz também, porque o guiaram os seus instintos e sagacidade de espírito, a sua falta de temor dos Deuses e Deusas.

É fundamental pensar neste à-vontade de vermos os grandes do mesmo tamanho que nós, de acharmos genuinamente que eles também ganham com a nossa presença, que os outros que nos parecem inalcançáveis têm tanta necessidade de nós como nós deles….porque a necessidade é de partilhar experiências e não de as mostrar apenas sem receber outras em troca. Mario não têm vergonha de não escrever tão bem as metáforas como Neruda. Mário escreve-as e mostra-lhas, sente necessidade de as criar e escreve-as como as sente. Foi assim que começaram os grandes poetas… por escrever aquilo que o seu dia-a-dia lhes trazia. Ninguém, de cabeça sã, escreveu uma grande obra a achar que ia ser uma grande obra, mas as grandes obras surgem e para que surjam é preciso não haver medo de arriscar e é também preciso ouvirmo-nos o que temos para dizer.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A máquina de Joseph Walser - Gonçalo M. Tavares

Walser é um cidadão vulgar, bem integrado, apesar de usar uns sapatos pouco adequados. É um cidadão que, como tantos de nós, evita o sofrimento através da ocultação de tudo o que se possa parecer com sentimentos. Minto. Nutre sentimentos sim, pela sua máquina e pela sua colecção. A guerra nada lhe diz, nem a mulher, nem a amizade, nem mesmo a morte. Existe uma pessoa no mundo de Walser: ele mesmo. 

A guerra afecta-lhe só no momento em que impede os médicos de atenderem a sua necessidade. A mulher trai-o e sabe que ele sabe, sabe também que ele sabe que ela não pode conviver sempre com a distância que ele criou do mundo. Walser não é daqui, o seu mundo é a colecção, só lá existe algo realmente importante para ele, cada nova peça é uma emoção, essa emoção que ele se recusa a sentir perante as coisas que mexem com as vísceras…não…a colecção não lhe dá desgostos, não implica sofrimentos, não requer uma luta psicológica, não exige que ele aja. A colecção é objectiva, o subjectivo faz sofrer. Não é à toa que ele se sente uno com a sua máquina que lhe come o dedo. Sente-se uno porque ele aboliu o que fazia dele humano e assim, continuando sempre bem integrado, afável, comunicativo, nada que afecte a humanidade das pessoas o afecta a ele, porque é uma máquina, apenas cumpre com as regras estabelecidas, limitando-se a proceder de acordo com os botões que parecem ser ligados na sua mente, o coração já parou. É uma pessoa “como deve ser”, mas não um Homem, um Homem sofre e alegra-se, sente. 

Um dia, a máquina come-lhe o dedo como que avisando de que ele está a ser engolido por algo metálico que o levará todo para um mundo onde os gritos apenas ressoam nas paredes e se tornam gélidos até desaparecerem, até serem nada, como lhe acontece com os gritos da guerra e morte, são nada. Morte essa  a quem ele simplesmente tira o cinto, Isto. é, sem pudor nem estranheza, nem tristeza, nada, ele tira de um soldado morto o seu cinto para arranjar a peça da sua colecção que são pequenas peças metálicas. 

O medo de sofrer leva este personagem a uma vida monótona onde é comandado por todos e tudo, anda ao sabor do vento sem saber que os anos lhe passam. Walser é imensamente triste, mas ele não sabe que o é…talvez o venha a saber no dia em que os seus instintos falarem, quiserem o corpo da viúva do amigo que ele poderia ter salvo da morte e ela não aguente a parte dele que se tornou comprovadamente máquina: o dedo.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Memorial do Convento - José Saramago

Passa por toda a história da construção do convento, pelas vidas ali perdidas, anónimas, pelos padres que rezam pelos desconhecidos e pelos que precisavam que rezassem pelos pecados deles, os mandantes que destroem famílias para verem cumpridos os seus caprichos, o povo que se fascina com um convento que a ele trouxe tantos males e poucos bens, um povo que adora ver castigados aqueles que consideram imorais…mas sobretudo, Memorial do Convento, fala-me de uma história de amor imensa e o resto eu vou ignorar agora, é disto que me apetece falar, foi isto que me marcou.

Com ousadia e porque Saramago quando escreve é para os dias de hoje e não sobre os dias de ontem ele apresenta-nos um casal que muito improvavelmente viveria daquela maneira, naquela altura, porque ainda hoje é tão pouco vulgar.

Blimunda é a mulher que não têm medo e que vê, até demais…numa sociedade onde a religião é uma coisa tão presente, a noção de pecado, os sentimentos de culpa. Eles conhecem-se e entregam-se um ao outro, sem contractos, sem casamento, sem se quererem controlar…ela com os seus olhos que vêem em jejum por dentro das coisas promete que nunca o verá por dentro. São dois voadores, desafiados pelo padre Bartolomeu que quer chegar ao céu e abençoa esse casal que se põe na margem de todas as convenções, eles que se abraçam efusivamente em praça pública sem os pudores necessários à época, que se procuram todas as noites, em qualquer lugar, com qualquer idade. Dois sonhadores que não sabem ler nem escrever, mas sabem voar, dentro e fora da passarola e sobretudo sabem que têm de o fazer juntos… as suas vidas não são interessantes, não há sequer um filho que nasça, mas há uma ligação invisível que faz Blimunda procurar Baltasar durante nove anos, sozinha. Não se ouve falar, durante o livro todo em qualquer zanga entre os dois, qualquer submissão de um perante o outro, qualquer traição carnal ou não, de um ou outro. Ouve-se falar de uma grande espera, de uma imensa compreensão e um silêncio longo que partilham sempre que não sentem necessidade de falar, conversas profundas de dois seres que nada sabem do mundo. Mas aquilo que viram, não olharam apenas, e isso os torna especiais e inseparáveis, porque poucos vêem e cada um deles sentiria uma imensa solidão sem a companhia de alguém que perceba ou faça um esforço para perceber aquilo que o outro sente e quer. São felizes por saberem e não duvidarem de que são um do outro. Por não terem medo de serem um do outro.

Claro que no fim disto temos de referir que Saramago é um escritor que no meio do seu realismo mistura muita fantasia…resta saber em que campo se encontra uma história de amor destas.
(Só por não atirar isto logo para o campo da fantasia….Eu sou uma optimista, comprovada!)

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sidarta - Hermann Hesse

Sidarta é um homem que entende que a vida não é uma linha recta e isso o leva a ser um Buda, o buda máximo do budismo…e este livro poderia quase ser definido assim. Desde a infância ele manifesta grande curiosidade por a arte de apreciar a vida com calma. Para os mais desatentos Sidarta pode até ser um homem sem coerência, o chamado troca-tintas. A questão é que ele simplesmente se recusa a viver uma vida que não faça sentido. Nunca se mostra preso a uma ideia de que encontrou o caminho certo, experimenta vários e sempre que um já não resulta com ele, muda. Torna-se seguidor de uma doutrina, depois experimenta outra de que ouviu falar bem, depois percebe que não pode seguir doutrinas, que é ele que têm de fazer a sua, depois arranja mulher, torna-se rico, aprende a estar numa sociedade “normal”, quando isso se torna demasiado vazio, abandona tudo, apercebe-se da sua arrogância de se julgar superior e vai aprender humildemente o que o rio têm para lhe ensinar. Sidarta nunca se recusa a seguir o seu coração, ou a deixar que o mundo não seja para ele uma constante avalanche de novidades. É ele uma eterna criança que vê tudo maravilhado de novo, como se nada soubesse nunca.
Aprendeu a escutar, aprendeu que a verdade das coisas está em cada um de nós no momento da vida que vivemos, nesse exacto momento, e por isso é que podemos mudar, cada momento é uma pessoa nova que nos invade. "O oposto de cada verdade é igualmente verdade.". Esse estado de viver os momentos traz a Sidarta a certeza de que o tempo não existe, nem futuro nem passado, tudo isso é apenas uma parte da pessoa desde sempre e a qualquer momento desabrochará em nós a paz que nos permite ver como ele que tudo deve ser como é. Somos donos do nosso destino, sim, mas não podemos ansiar tanto um futuro que nos impeça de viver o presente e passar uma vida mentirosa em que o amanhã não chega, nem a calma do sofrimento alegre que o amor ao mundo nos dá.

O mundo é belo hoje, como a nossa vida e por isso não temos de esperar o amanhã para ver maravilhas, não é necessário de viajar, aliás, não vale a pena viajar para sítios bonitos se nunca vimos aqui, no nosso dia-a-dia, a beleza de tudo, se nunca fomos capazes de amar o momento exactamente como ele é. Tal como as pessoas, também as coisas devem ser amadas do jeito que elas são, sem julgamento.

“A morte, para mim, é igual à vida; o pecado, igual à santidade; a inteligência, igual à tolice. Tudo deve ser como é. Unicamente o meu consenso, a minha vontade, a minha compreensão carinhosa são necessários para que todas as coisas sejam boas, a ponto de somente me trazerem vantagens, sem nunca me prejudicarem.”

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Frei Luís de Sousa - Almeida Garret

Maria é uma miúda curiosa que influenciada por Telmo lê muito e se mantêm atenta ao que se passa à sua volta, ela usa a sua intuição, deixando que os seus sextos sentidos, que vulgarmente não usamos, sejam um guia. Maria é uma personagem que confia plenamente no seu coração, os seus pressentimentos são certos e ela sabe que o serão, por se ouvir a si mesma. Madalena quer desvia-la destes “poderes” que a fazem ser uma criança que sabe demais, isto porque as crianças não foram feitas, segundo alguns, para se preocuparem e para saberem coisas que trazem sofrimento. Contam-se mentiras e inventam-se histórias, tentam criar-se distracções para que a verdade, que é mais cruel que a fantasia não chegue aos olhos dos mais pequenos. Só que Maria não gosta de ser enganada, ela é fascinante porque ama a verdade e quer que ela seja dita, para que o mundo avance. Cheia de sonhos, a miúda acredita que é possível mudar o mundo e acredita que para isso é preciso saber enfrentar as coisas como elas são. Só quando sabemos como é a realidade a poderemos modificar, caso contrário apenas mudamos algo que não existe e portanto a realidade continua a ser um poço de sofrimento. Mas isto não fica por aqui. João de Portugal é o D.Sebastião da peça e após anos de exílio volta e dá aquela família uma estabilidade que ela nunca teve porque sempre existia o medo deste regresso, pois é ele mesmo que vêm por fim a uma vida de sofrimento psicológico, uma vida a viver com um possível futuro aterrador. Ele arrepende-se por pensar ter vindo estragar uma felicidade, mas na verdade ela não existia por completo devido à sombra da possibilidade desse mesmo regresso. João de Portugal dá provas do seu grande amor renunciando à vingança da sua dor em prol da continuação de uma vida sem terrores para a família, mas o destino quer que a verdade seja a lei que manda e antes que ele interrompa os cataclismos, já eles aconteceram. A verdade é algo constante em Frei Luís de Sousa, como de resto o é em quase todos os livros, mas posta de maneira diferentes. Aqui tanto Maria, como Telmo, como Manuel de Sousa são defensores convictos de uma vida honrada e sempre defendem acima de tudo um caminho puro na sua vida, isto é, serem fies a si mesmos. Madalena, também é demasiado fiel para poder mentir, mas tenta ocultar a si mesma os factos, como vive atemorizada pela sua possibilidade de pecado e desgraça que isso seria para a filha, tenta fugir do que à sua volta acontece e quando não pode fugir, esconde-se dentro de si observando a sua tristeza sem olhar de frente e se afirmar perante a vida, decidida a mudar-se. Finalmente todos mudam de vida e Maria indigna-se com o facto de ela deixar de ser digna só porque houve enganos na vida daquelas pessoas, ela quer fazer ver mais uma vez a verdade, dizer-lhes que eles não foram infiéis consigo mesmos e isso é o mais importante.

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