A morte de Ivan Ilitch traz-nos uma questão que se relaciona com a verdade. O maior sofrimento de Ivan não se prende com a indiferença de uns e outros perante a sua dor, mas pela falta de coragem para admitir à frente dele que ele está a morrer. É isso que o estrangula. Sentimentos de pena por ele ir morrer em breve e estar a sofrer não o repugnam, mas a falsidade que transparece da tentativa frustrada dos familiares em ocultar-lhe a verdade de que está a morrer, sim, isso causa-lhe um grande transtorno, tudo porque o querem poupar. É como quando se oculta a uma criança o facto de que a guerra existe, só para que ela não se choque. Ela já percebeu que existe, ela já viu imagens, é inútil dizer que isso é uma fantasia, como é inútil dizer a Ivan que ele apenas tem uma doença. Ela irá morrer, todos sabem.
Outra grande questão de Ivan, relaciona-se com o sentido da sua existência. Só às portas da morte, ele se dá conta de que a sua vida não fez sentido nenhum, porque no fundo, ele nunca viveu a vida que ele queria, mas sim a vida que alguém disse que era a correcta. A vida padronizada da sociedade, relacionada com o ter sucesso na profissão, na família e no dinheiro, sem pensar que o sucesso visto desse ângulo, passa a ser um mecanismo de criar imagens para fora, para os vizinhos e não só, para os filhos, para a mulher e para ele mesmo. Também os filhos e a mulher acabam por criar para ele a imagem de que está tudo sob controle. No fim do seu tempo, ele entende que falhou em primeiro a área da saúde, mas sem culpa, a partir disto, vai verificando as suas falhas sucessivas, no começo sem querer acreditar no que pensa, porque se apoia no "todos fazem assim". Depois percebe que todos podem estar errados, ou a grande maioria, que às vezes a minoria não faz com que uma coisa seja falsa. Ela pode até ser a verdadeira, que alguém com as condições certas conseguiu perceber. Também Galileu era o único a dizer que a terra é que gira à volta do sol.
No final, Ivan tem o descanso de saber que de facto nada na sua vida fez sentido, pede perdão à família por os fazer sofrer. Têm por fim o descanso de ter a certeza de que algo é verdadeiro, a percepção da sua vida vazia, morre, por isso, já sem medo da morte e, já que acabou por estar "morto" a vida inteira, acaba por dizer que se acabou a morte, como se daquele fim fosse possível renascer uma outra pessoa melhor e desta vez a viver correctamente.
Gostei da sua análise. Este blogue merece ter boa continuação.
ResponderEliminarO que mais me impressionou neste pequeno grande livro foi a frieza com que as pessoas encaram a morte do "outro"; o lado "social" da morte; as aparências na vida como na morte.
Obrigada Manuel. Li este livro pouco antes da morte do meu avô, graças a ele eu fui capaz de estar junto dele na cama do hospital e dar-lhe algum carinho. Era difícil estar a olhar para ele no estado em que estava, mas este livro deu-me a força necessária e eu fico feliz por ter dado esse nada à morte de uma pessoa.
ResponderEliminar