quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Memorial do Convento - José Saramago

Passa por toda a história da construção do convento, pelas vidas ali perdidas, anónimas, pelos padres que rezam pelos desconhecidos e pelos que precisavam que rezassem pelos pecados deles, os mandantes que destroem famílias para verem cumpridos os seus caprichos, o povo que se fascina com um convento que a ele trouxe tantos males e poucos bens, um povo que adora ver castigados aqueles que consideram imorais…mas sobretudo, Memorial do Convento, fala-me de uma história de amor imensa e o resto eu vou ignorar agora, é disto que me apetece falar, foi isto que me marcou.

Com ousadia e porque Saramago quando escreve é para os dias de hoje e não sobre os dias de ontem ele apresenta-nos um casal que muito improvavelmente viveria daquela maneira, naquela altura, porque ainda hoje é tão pouco vulgar.

Blimunda é a mulher que não têm medo e que vê, até demais…numa sociedade onde a religião é uma coisa tão presente, a noção de pecado, os sentimentos de culpa. Eles conhecem-se e entregam-se um ao outro, sem contractos, sem casamento, sem se quererem controlar…ela com os seus olhos que vêem em jejum por dentro das coisas promete que nunca o verá por dentro. São dois voadores, desafiados pelo padre Bartolomeu que quer chegar ao céu e abençoa esse casal que se põe na margem de todas as convenções, eles que se abraçam efusivamente em praça pública sem os pudores necessários à época, que se procuram todas as noites, em qualquer lugar, com qualquer idade. Dois sonhadores que não sabem ler nem escrever, mas sabem voar, dentro e fora da passarola e sobretudo sabem que têm de o fazer juntos… as suas vidas não são interessantes, não há sequer um filho que nasça, mas há uma ligação invisível que faz Blimunda procurar Baltasar durante nove anos, sozinha. Não se ouve falar, durante o livro todo em qualquer zanga entre os dois, qualquer submissão de um perante o outro, qualquer traição carnal ou não, de um ou outro. Ouve-se falar de uma grande espera, de uma imensa compreensão e um silêncio longo que partilham sempre que não sentem necessidade de falar, conversas profundas de dois seres que nada sabem do mundo. Mas aquilo que viram, não olharam apenas, e isso os torna especiais e inseparáveis, porque poucos vêem e cada um deles sentiria uma imensa solidão sem a companhia de alguém que perceba ou faça um esforço para perceber aquilo que o outro sente e quer. São felizes por saberem e não duvidarem de que são um do outro. Por não terem medo de serem um do outro.

Claro que no fim disto temos de referir que Saramago é um escritor que no meio do seu realismo mistura muita fantasia…resta saber em que campo se encontra uma história de amor destas.
(Só por não atirar isto logo para o campo da fantasia….Eu sou uma optimista, comprovada!)

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